Neste primeiro artigo quero tratar de um dos pontos principais para que possamos ter um bom entendimento sobre o que foi Medievo. Tal ponto é a família. Ela foi a base daquela época.
Quando estamos no ensino médio, somos induzidos a acreditar que ambiente social e familiar do período era composto por fanáticos religiosos . Que não existiam quaisquer liberdades fora dos dogmas da terrível Igreja Católica. A esposa e filhos eram completamente dominados pela figura paterna, que exercía um domínio autoritário e abusivo.
Sera que isto é verdade? Não, não é verdade.
Para que possamos entender este importante assunto, usarei um método bastante eficaz: irei comparar a sociedade Medieval, com a que lhe precedeu, ou seja, o Império Romano.
Quando contamos a historia de Roma, falamos de indivíduos: de Sila, de Pompeu, de Augusto; a conquista dos Gauleses é a história de Júlio César. Citamos senadores, filósofos, heróis, sacerdotes, mercadores. Nunca citamos famílias. Quando voltamos naquela época vemos que o conceito do casamento era muito diferente do posterior. Não passava de um dever, um ato que as pessoas eram criadas para que em algum momento de suas vidas viessem a concretiza-lo. Era um jogo de interesses, de trocas e favores. A ideia de realizar uma união devido a uma relacao afetiva era praticamente inexistente.
Sendo o casamento um dever cívico e uma vantagem patrimonial, tudo que a
velha moral exigia dos esposos era que executassem uma tarefa definida: ter filhos,
cuidar da casa. 1
Uma vez realizado o casamento, tudo girava em torno da figura paterna. Na esfera publica ele é o gestor dos negócios; o criador de leis; o cidadão que vota. No ambiente familiar ele exercia o completo domínio sobre os seus. Sua esposa lhe pertencia (sempre em visao menor em relacao ao pater) como uma posse, tendo o poder legal de usar e abusar, assim como qualquer outra, como por exemplo seus escravos ou lotes.
O casamento é apenas um dos atos da vida, e a esposa não passa de um dos
elementos da casa, que compreende igualmente os filhos, os libertos, os clientes e os escravos. "Se teu escravo, teu liberto, tua mulher ou teu cliente ousam replicar, tu te
enraiveces", escreve Sêneca. Os senhores, chefes de uma casa, resolvem as coisas
entre si, como de poder a poder, e se um deles deve tomar uma grave decisão reúne o
"conselho de amigos" em vez de discutir com a mulher. 2
Quando a sua esposa estava pronta para dar a luz, o pater tinha o direito de escolha, poderia optar por acolher a criança ou simplesmente rejeitar. Pois no período, o infanticidio não era somente comum, como porem, legal.
O nascimento de um romano não e apenas um fato biológico. Os recém-nascidos só vem ao mundo, ou melhor, só são recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família: a contracepcao, o aborto, o enjeitamento de crianças e o infanticidio do filho de uma escrava são, portanto, praticas usuais e perfeitamente legais. 3
Logicamente, estes dados não representam a totalidade das famílias romanas. O processo de mudança para o que veremos no medievo, se deu com o advento e expansão do Cristianismo.
A historia da Idade Media, salvo algumas excessões, não foi marcada por indivíduos e heróis, como outrora. Ela e contada através das famílias, das dinastias. O casamento já não é mais uma obrigacao, um dever cívico. Seguindo os preceitos da cristandade, o matrimonio baseia-se em um acordo de ambas as partes, ou seja, foi dada a mulher, pela primeira vez, o direito de opinar. Historiadores afirmam que a instituicao familiar, como segue o preceito cristão, sobreviveu firmemente sobre o violento período da Alta Idade Media.
Durante esse período de perturbaçaõ e de decomposição total que foi a Alta Idade Média, a única fonte de unidade, a única força que permaneceu viva, foi precisamente o núcleo familiar, a partir do qual se constituiu pouco a pouco a unidade francesa. A família e a sua base fundiária foram assim, devido às circunstâncias, o ponto de partida da nossa nação. 4
Na estrutura familiar medieval, não encontramos a figura de um pater, possuidor de direitos legais sobre os seus, administrador de seus negócios pessoais. A família agora, é vista como um corpo. Todos os seus integrantes trabalham para o bem comum, sempre preocupados com o futuro de sua linhagem. Diferente de um clima autoritário do passado, a relacao e vista como solidaria. Os indivíduos tem o conhecimento de que estão ligados pela carne e pelo sangue, que as vontades e anseios de um, não são mais importantes do que o nome e legado familiar.
Aqueles que vivem debaixo de um mesmo tecto, que cultivam o mesmo campo e que se aquecem no mesmo fogo, ou, para empregar a linguagem do tempo, os que participam do mesmo “pão e pote”, que cortam a mesma côdea”, sabem que podem contar uns com os outros, que o apoio da sua corte não lhes faltará. O espírito de grupo é, com efeito, mais potente aqui do que poderia ser em qualquer outro agrupamento, já que se funda sobre os laços inegáveis do parentesco pelo sangue e se apoiá sobre uma comunidade de interesses não menos visível e evidente. 5
A função do chefe de família agora, é a de administrar. Prover recursos, orientar seus entes queridos, cuidar de suas terras e plantações. Todas as suas acoes visam a prosperidade de sua família. Agora não mais afasta os incapazes, mas os acolhe. Protege os seres fracos, a criança, a mulher, o servo, o enfermo, o orfão. Todos aqueles que vivem sob a sua tutela.
Mas que cumpre um dever mais do que exerce um direito. Proteger os seres fracos, mulheres, crianças, servos, que vivem debaixo do seu tecto, assegurar a gestão do patrimônio, tal é o seu cargo; mas não o consideram o chefe definitivo da casa familiar, nem como o proprietário do domínio. 6
A esposa desfruta de uma liberdade muito maior do que no mundo antigo. Nao é mais um posse, mas uma parte ativa da família. Desenvolve seus trabalhos ligados aos seu filhos e sua casa sem qualquer dependência ou necessidade de seu esposo. A figura paterna, agora é guardião, protetor e mestre de seus filhos. Responsável por toda a base moral e ética. Porem, sua tutela se estende somente ate a maioridade, quando seus filhos, tem a liberdade de sair de seu domínio e fundar a sua própria família, Porem, nunca perde o apoio de seus pais.
A herança, ou seja, a terra, era um bem inalienável, ou seja, era impossível ser vendido. Todos tinham direito a terra após a morte do pai.
CITAÇÕES:
1, 2, 3 - VEYNE, Paul. A historia da vida privada : do Império Romano ao ano mil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
4,5,6- PERNOUD, Regine. O Mito da Idade Média. Europa-América.1989
FONTES:
FRANCO JUNIOR, Hilário. A Idade Média. São Paulo. Editora Brasiliense. 2001
BLOCH, Marc. A sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70.
DUBY, Georges. O ano mil. Lisboa: Edições 70, 1986.
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